Conforme a agilidade vai devorando o mundo, muitas corporações estão se deparando com a necessidade de uma transformação ágil. Para a maioria, este é um grande desafio, envolvendo muitas mudanças ao longo de vários anos. Se a organização tem sido gerenciada de maneira tradicional, a jornada irá incluir mudanças radicais em atitudes, valores, mindsets, jeitos de pensar e jeitos de interagir com o mundo, ou seja, uma mudança na cultura organizacional.
Transformação Ágil: Passo a Passo é uma série de artigos que será publicada ao longo das próximas semanas que tem como intuito auxiliar quem está pensando ou iniciando este processo. Não tenho como pretensão esgotar este assunto, mas sim dar uma luz ao tema com as minhas experiências e com diversos cases que conheço.
Também não se surpreenda se você ler ideias e argumentos que já viu em outros lugares, eu não inventei tudo isso aqui, mas bebi de diversas fontes de pessoas com muito mais experiência que eu, mas sem abrir mão das minhas próprias opiniões e experiências sobre o tema, é claro. Sempre que possível (conforme minha memória e organização ajudar) incluirei links para referências onde você pode se aprofundar no que está sendo citado.
Comentários, dúvidas e sugestões são bem vindas na seção de comentários ao final do artigo.
O mundo corporativo atual
A maioria das corporações atuais não são ágeis. Uma pesquisa recente da Deloitte com mais de 10.000 executivos revelou que menos de 10% deles vêem sua organização como realmente ágil.
Por outro lado, mais de 90% deles diz que “agilidade e colaboração” são fatores críticos para o sucesso da sua empresa. Isto reflete as descobertas da McKinsey & Company de que unidades que usam métodos ágeis dão melhores resultados financeiros do que as tradicionais.
O resultado esperado de uma gestão ágil é claro: a habilidade da empresa de se renovar, adaptar, mudar rapidamente de curso e ser bem sucedida no mundo VUCA em que vivemos, para aproveitar melhor as oportunidades.
No entanto, implementar agilidade é um meio, não o fim. O objetivo é permitir que a organização gere valor em escala com a menor fricção possível, de maneira customizada e incremental, livre de riscos e que as recompensas financeiras sejam equivalentes às obtidas pelas empresas de maior e mais rápido crescimento do planeta: Amazon, Apple, Facebook, Google, Microsoft, etc.
Alguns agilistas não esperam pela alta gestão e começam suas jornadas sem uma autoridade central ou recursos. No entanto, esse não é o melhor jeito de começar, sendo o jeito mais difícil de conseguir todo o conhecimento organizacional e capital social para causar um grande impacto. Quem trabalha ou já trabalhou em corporações sabe do que estou falando: a boa e velha política tem um papel fundamental nesse tipo de iniciativa. Implementações ágeis limitadas a pequenas partes da empresa (como alguns times de desenvolvimento) rapidamente entram em conflito com outras partes da organização que estão se movendo mais devagar e algumas vezes são esmagadas antes que possam tomar maiores proporções.
Não é de se admirar que o progresso de agilidade nos negócios está diretamente relacionado com o nível de liderança dos engajados na transformação ágil. Glória Abreu, Master Coach que foi minha orientadora durante uma de minhas formações, fala que “a melhor estratégia é a do chuveiro, nunca a do bidê”. Quem não sabe ou não lembra, os bidês eram aqueles antigos lavatórios de “baixo pra cima”, para limpeza íntima. Sim, é uma analogia sofrível, a Glória adora fazer o pessoal rir, mas é a mais pura verdade.
Transformações ágeis não são feitas por lobos solitários, você irá precisar de uma matilha, e com machos-alfa…digo, executivos junto. Isso se você não quiser que seja apenas fogo em palha.
Quando iniciei uma de minhas transformações mais bem sucedidas eu tinha o patrocínio do diretor de TI e, mais tarde, do CEO da empresa. Jamais teria tido tanto sucesso sozinho.
Pensando na transformação
Por onde começar? A alta gestão precisa começar considerando como a própria gestão da empresa se relaciona com o mundo da agilidade e quais desafios despontam à frente em uma jornada ágil. Isso irá envolver a absorção de alguns exemplares da vasta literatura sobre este assunto e entender a essência da agilidade.
Isso incluirá descobrir quais princípios ágeis já começaram a enraizar em partes da organização, mesmo sob outros nomes. Embora o movimento Agile seja extremamente abrangente em escopo, a maioria das organizações de todos os tamanhos possuem ao menos alguns focos de agilidade, como um ou outro time. Em 2017, eu liderava um destes times ímpares em um dos bancos gaúchos que trabalhei, responsável pelos Canais Digitais da empresa, por isso que fui “encontrado” e recebi o “chamado” para fazer algo maior.
A alta gestão precisa encontrar esses focos e aprender sobre o progresso que eles fizeram até agora e quais problemas estão enfrentando. A alta gestão precisa celebrar quaisquer sucessos que aconteceram para estabelecer as fundações para o futuro. Os líderes desses esforços iniciais são potenciais aliados e campeões para a jornada ágil que se avizinha.
Citando outro exemplo, quando a alta gestão do Barclays começou a olhar para agilidade em 2014, els descobriram que já existia um movimento alternativo de praticantes ágeis dentro da empresa. Em março de 2015, quando os times de operações e tecnologia anunciaram que se tornar ágeis era uma iniciativa estratégica importante, as muitas ilhas de agilidade dentro da Barclays foram convidadas a saírem das sombras e se tornarem campeões da transformação ágil do banco.
Fazer este estudo também ajuda que a alta gestão aprenda com quaisquer falhas em esforços anteriores antes de lançar uma jornada do tipo na companhia. Por que estes esforços falharam? Quais passos necessitarão ser tomados para prevenir esse tipo de falha recorrente? Quais novos riscos devem ser endereçados?
A organização está preparada?
Os patrocinadores também precisarão entender os riscos e benefícios de iniciar uma transformação ágil exatamente agora.
A escala dessa missão pode ser assustadora. Mas a alternativa – morte corporativa através de falha em adaptar-se continuamente ao mercado – pode ser ainda mais arrepiante. Existe um consenso quase geral de que a única opção real é QUANDO mudar, e não SE devemos mudar.
Também é necessário que seja avaliado o risco do formato de implantação. Se for decidido implementar agilidade como uma “receita de bolo”, forçando as pessoas a adotarem processos ágeis porque os executivos ouviram que funciona na empresa X ou porque eles ouviram isso de alguma consultoria, o risco de resistência institucional aumentará consideravelmente. Em mudanças profundas como agilidade, copiar e colar não funciona. Ao invés disso, a empresa precisa fazer a mudança organicamente de dentro pra fora, para que faça mais sentido. A oposição é inevitável em qualquer mudança organizacional, mas ela será ainda maior se vista como uma iniciativa imposta do topo.
Ou seja, além de considerar quando é o melhor momento para começar a transformação, tem de ser verificado o tamanho e intensidade das batalhas que serão travadas internamente.
Não obstante, tem de ser entendidos os conflitos que possam haver entre os objetivos da agilidade – obsessão em entregar valor ao cliente, por exemplo – e a forma como a empresa funciona hoje. Por exemplo, muitas empresas listadas em bolsa trabalham única e exclusivamente para aumentar o valor das ações e/ou o retorno para acionistas.
A alta gestão também tem de decidir como lidarão com a burocracia tradicional de áreas como orçamento, controladoria, compliance, etc. Embora não seja necessário lutar todas estas batalhas no “dia um” da transformação, a alta gestão precisa saber o que enfrentará à frente, incluindo uma ideia de quando estas batalhas serão travadas.
Algumas empresas decidem, depois de considerar todos os riscos, que não é o momento de iniciar uma transformação agora. Esta decisão não é exatamente ruim, afinal é melhor não ir adiante do que começar uma transformação sem estar 100% comprometido, o que geralmente traz implantações falsas de agilidade, que são ágeis apenas no nome e que geralmente bloqueiam iniciativas futuras de uma real transformação.
Buscando ajuda
Ao ponderar se deve prosseguir, os líderes da transformação podem aprender a partir de outras empresas que estão envolvidas em transformações ágeis. Eles podem visitar empresas que já são bem sucedidas em suas jornadas e aprender sobre práticas-chave que valem a pena ser emuladas e quais que evitar. Eventos podem ser úteis para fazer contatos, embora as apresentações costumem apresentar somente o lado bom destas iniciativas, então foque no networking.
Na prática, o que se vê no mercado é que as jornadas ágeis bem sucedidas estão diretamente ligadas à adoção de um mindset ágil, ao invés de um processo ou metodologia específicos. As visitas realizadas pelo SD Learning Consortium mostraram que algumas empresas estavam implementando todas práticas ágeis “by the book”, mas não estavam obtendo muitos benefícios delas. Por outro lado, algumas empresas estavam demonstrando agilidade nos negócios e obtendo benefícios, mesmo que não estivessem rodando as práticas famosas à risca. O fator de diferenciação entre essas empresas não está nas práticas escolhidas mas no fato das pessoas estarem realmente comprometidas a uma ideia diferente de como o trabalho deveria ser feito. É um jeito diferente de pensar, entender e agir no ambiente de trabalho.
Os executivos tem de aprender que uma transformação ágil não é um projeto ou uma iniciativa, ou um novo processo ou nova estrutura organizacional, mas sim uma jornada sem fim, é empreender com um jeito de pensar que é fundamentalmente diferente da hierarquia top-down de comando e controle típica das empresas do século 20.
Além de tudo isso é importante levar em consideração qual terminologia ágil será encorajada. É comum as empresas descobrirem que existem muitos termos diferentes e confusos no mundo ágil. A empresa precisa decidir quais termos não são interessantes para serem utilizados no seu ambiente, incluindo o próprio termo agilidade, além de todo o vocabulário comum como Scrum, Scrum Master, Lean Startup, Kanban, etc. Pode parecer bobo, mas realmente faz a diferença definir os termos que serão utilizados.
No banco que mencionei antes quisemos descolar de uma série de terminologias e principalmente de um método específico, para evitar ranços e discussões no estilo “sexo dos anjos”. Sendo assim, criamos um framework de agilidade em escala feito sob medida e que era composto por um guarda chuva de práticas definidos por uma comunidade interna de agilistas. Isso nos permitiu por quase dois anos avançar na adoção e transformação, sem os reveses de estar preso a uma única terminologia ou processo, como o proposto pelo SAFe.
O segundo artigo desta série pode ser conferido neste link.
* OBS: curtiu o post? Então dá uma olhada no meu livro de Scrum e Métodos Ágeis e/ou no meu curso (abaixo) sobre o mesmo assunto, onde ensino algumas dinâmicas que você pode fazer com seu time!
Olá, tudo bem?
O que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários.
[…] Transformação Ágil: Passo a Passo […]
[…] Transformação Ágil: Passo a Passo […]
[…] Transformação Ágil: Passo a Passo […]
[…] Transformação Ágil: Passo a Passo […]
[…] tornam muito fácil abstrair o que é dito e principalmente os artefatos utilizados nesta pequena transformação ágil que ele […]
[…] Então a empresa decide adotar métodos ágeis top-down. Show, geralmente o alto escalão é quem boicota esse tipo de iniciativa. Começar com seu apoio já é meio caminho andado. A outra metade do caminho? Convencer o restante da empresa a fazer o movimento bottom-up da transformação ágil. […]
[…] provocar mudanças culturais e organizacionais dentro da empresa em que atua. Muitas vezes ele deve liderar esta transformação, evangelizando a cultura ágil em todas as esferas da empresa para garantir que a mesma não seja […]