A cada ano que passa as empresas que desenvolvem software vão se modernizando. Enquanto que algumas evoluções mais óbvias sejam de hardware e software, estão nos métodos de desenvolvimento e na cultura das organizações os maiores desafios em termos de evolução real e significativa. Afinal, de nada adianta ter as tecnologias mais modernas de desenvolvimento se o time não tem o método de trabalho apropriado ou uma cultura que lhes permita entrega o maior valor possível para a empresa.
Mas quais são os métodos de desenvolvimento que as empresas mais inovadoras do mundo estão usando? Em que direção a cultura corporativa das empresas de tecnologia está caminhando? Como posso me antecipar às mudanças que certamente virão, mais cedo ou mais tarde para as empresas brasileiras? E o quanto o Covid afetou a forma como as empresas trabalham, além do óbvio home-office forçado?
Pois é, se você é um profissional preocupado com esse tipo de questionamento, o artigo de hoje é para você!
Cultura e Métodos em 2021
Anualmente a InfoQ, um editorial de tecnologia muito importante mundialmente, apresenta as tendências de cultura e métodos de desenvolvimento de software, conforme o resultado de pesquisas e a opinião de especialistas da área. Recentemente em março saiu a edição 2021 do famoso relatório Culture & Methods Trends 2021, onde os editores do site publicaram em que fase de adoção se encontram os elementos em questão nas empresas mundialmente falando, o qual reproduzimos abaixo.
Não conhece todos esses nomes? Calma, já chegaremos lá!
O modelo apresentado, caso seja novo para você, é adaptado da Curva de Difusão da Inovação, criado por Everett Rogers (1962) e popularizado por Geoffrey Moore no clássico Crossing the Chasm (1991, Atravessando o Abismo), onde o autor explica as diferenças entre os públicos das tecnologias (dos inovadores aos atrasados), o padrão de difusão das mesmas (a curva em si) e o abismo (chasm) que separa as empresas realmente inovadoras da maioria das empresas comuns. Quando uma inovação consegue “atravessar o abismo” (o que não é nada fácil), ela se torna mainstream ou padrão de mercado.
Innovators, Os Visionários
Esta categoria é a das empresas realmente inovadoras. Uma empresa visionária é aquela que enxerga o que ninguém mais vê. Consegue perceber valor em métodos contra-intuitivos e de maneira orgânica molda a sua cultura no entorno da própria inovação. Quando se depara com uma abordagem não-usual para um problema, uma innovator company metaforicamente se pergunta: por que não?
Team Topologies
Team Topologies é um conjunto de práticas que emergiu rapidamente, baseado em um livro de Matthew Skelton publicado em 2019, que agora começa a ser introduzido nas organizações. As práticas trazem uma abordagem mais ampla para design de times, porque, como demonstrada na Lei de Conway, times bem “desenhados” são mais efetivos e tendem a entregar melhor os projetos de software. Os times precisam ser organizados para atender à carga cognitiva e ao fluxo de trabalho e, para que consigam isso, as organizações estão levando em conta a carga de trabalho, as responsabilidades e as linhas de comunicação.
AI/ML Culture Insights
As empresas mais inovadoras começam agora a aplicar sistemas de Inteligência Artificial e Machine Learning para ajudar a gerar insights sobre engajamento dos funcionários e a usar estes insights para melhorar a experiência de todos. Já sabe-se por exemplo que empresas ágeis tendem a ter profissionais mais engajados e a esperança é que se encontre as nuances que realmente importam e que se invista nelas para construir a próxima geração de ambientes de trabalho digitais.
Ainda é algo muito incipiente e a tendência é que no início os insights sejam mais “cosméticos”, mas a tendência pode vir a se tornar algo forte e importante com os avanços que forem tidos.
Descaling
O processo de scaling e descaling organizacional é semelhante ao que temos na computação. Inicialmente, os computadores eram grandes (40’s) e se tornaram menores (70’s). Depois tivemos os grandes mainframes e super servidores (90’s) e mais tarde a computação em nuvem (00’s).
No ambiente organizacional, estamos passando pelo processo de descaling em empresas inovadoras onde, ao invés de ficarem tentando escalar métodos, busca-se criar times menores e independentes, guiados por objetivos maiores. Isso evitaria, por exemplo, as clássicas dores do crescimento de empresas outrora inovadoras que se tornaram muito grandes e lentas.
Essa é uma tendência que já havia surgido no ano passado e houve pouco avanço sobre as demais empresas, talvez em virtude dos acontecimentos globais que trouxeram outras prioridades como Transformação Digital. No entanto, outras tendências listadas neste artigo fazem muito sentido com este conceito de descaling então vale a pena ficar de olho ainda.
Alguns artigos úteis sobre o assunto:
- How to descale an organization
- Don’t scale Agile. Descale your organization.
- Less, Less Huge and Descaling Agility
Humanistic Workplaces
A InfoQ passou a agrupar uma série de tópicos ligados a “ambientes de trabalho humanísticos” em um único tópico, desde abordagens como Sociocracia, Holacracia, Auto-gestão Ágil e tantas outras que focam em empoderar pessoas, algo cada vez mais enraizado entre os visionários e subestimado pela maioria.
Sociocracia e Holacracia, por exemplo, são basicamente formas diferentes de governar e liderar, bem como de estruturar organizações e tomadas de decisão. Pense em algo disruptivo. Estes dois termos juntos vão além do que você é capaz de pensar, se ainda não tinha sido apresentado a eles.
O pensamento tradicional de gestão e organização do trabalho e do estado, que remonta a séculos atrás, nos traz estruturas verticalizadas e cheias de níveis, tomada de decisão centralizada e comunicação fraca ou inexistente. Alie a isso as tomadas de decisão baseada em poucas pessoas com poder nas empresas e você tem a receita para a ineficiência corporativa que atinge a todas as companhias que ainda operam sobre ensinamentos de Taylor e outros.
Empresas inovadoras foram além de trabalhar com times multifuncionais e já estão trabalhando com estruturas matriciais e decisão local (junto ao time). Substituíram Value Stream Mapping por redes de entrega de valor e horizontalizaram seu organograma. Como disse Steve Jobs certa vez (vídeo abaixo), “nós contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer“.
Para mais sobre estes tópicos, consulte Sociocracy.info e Holacracy.org. Quer conhecer um case brasileiro de 1989? Leia este artigo estude mais sobre o trabalho de Ricardo Semler. Adicione Teal Organizations à sua lista de leitura também, que tem tudo a ver com o conceito de “agilidade para um propósito” (leia mais aqui também), afinal, ninguém deveria rodar métodos ágeis apenas por eles serem “legais”.
Outra tendência bem forte dentro de Humanistic Workplaces são os Joyful Workplaces: as melhores organizações reconhecem cultura como uma vantagem competitiva uma vez que conseguem criar um local onde as pessoas podem ser elas mesmas e encontrar prazer no trabalho que eles fazem, trazendo grande retorno para a empresa.
Querer transformar empresas sem a cultura estar alinhada com o objetivo desta transformação é um “tiro no pé” muito comum atualmente, em especial nas empresas de tecnologia que estão migrando de modelos de trabalho falhos para outros mais modernos, mas ainda falhos, uma vez que a cultura permanece a mesma, sendo o core do problema.
Quer leituras específicas sobre Joyful Workplaces? Comece com Joy, Inc e depois vá para Chief Joy Officer, ambos de Richard Sheridan, CEO da Menlo Innovations, uma das empresas de software mais inovadoras do mundo.
Mais algumas boas leituras sobre este assunto:
- Creating a Joyful Workplace
- Agile Team Spaces
- Appreciation at Work
- Is Having Fun Important to Agile Teams?
- Leadership from Radical Companies
#noprojects / Project to Product
#noprojects é o termo utilizado para atacar o mal da cultura projetizada dentro das grandes empresas que mais destrói valor do que entrega. Autores desta filosofia afirmam com dados o que todo mundo já sabe ou já ouviu falar: a maioria dos projetos é um fracasso, mesmo utilizando métodos ágeis, porque eles já partem de uma premissa errada: focam no output e não no outcome desde o dia um. #noprojects defende uma cultura produtizada, onde o sucesso de uma iniciativa é baseado (e a mesma é direcionada para) no resultado real obtido a partir do esforço do time.
As empresas mais inovadoras do mundo constróem times para construir e manter produtos (como os 2-pizza teams da Amazon), ao invés de times para executar projetos. Para mais sobre esse tópico, leia os excelentes livros Project to Product e #noprojects – A Culture of Continuous Value, esse último de graça no site da InfoQ.
Mais algumas leituras sobre este tópico:
- If you need to start a project, You’ve already failed
- Beyond Projects
- Outcomes: The Value of Change
- Pensamentos de Allan Kelly
- Pensamentos e Jeff Patton
- Focus on Value, not Projects
- Value Streams are Made of People
- Decentralized Development
- Case da Barclays
Systemic & Leadership Coaching
E meio a tantas hard skills dentro das corporações, uma soft skill tem ganhado muita popularidade nos últimos anos: coaching.
Coaching é o processo de ajudar um indivíduo sair de uma situação A e chegar em uma B, facilitado por um coach. Um coach é um profissional que, munido de diversas técnicas, ajuda o coachee a entender a sua situação e encontrar o seu caminho para atingir o objetivo. Note que o coach é um facilitador, ele não trilha o caminho pelo coachee e em vários casos nem mesmo já trilhou este caminho antes, sendo um profissional de perguntas, não de respostas.
Processos de coaching estão cada vez mais comuns em empresas inovadoras de todos os tamanhos. É uma resposta rápida para acelerar o crescimento dos profissionais, o atingimento de metas e até mesmo para práticas mais modernas de gestão e desenvolvimento de pessoas. Em tempos de pandemia, profissionais com competências de coaching não apenas se mostraram diferenciados como tem auxiliado e muito na segurança psicológica dos times, enquanto líderes tem adotado uma abordagem sistêmica de coaching.
Curiosamente, o Agile Coach, papel cada vez mais comum em empresas passando por transformações digitais e ágeis, tem de ter um pouco do coach tradicional. Além dele, um papel mais recente é o de Data Coach, que tem ajudado algumas organizações a serem mais data-driven.
AI/ML Tooling
Ferramental de Inteligência Artificial (AI – Artificial Intelligence) e de Aprendizado de Máquina (ML – Machine Learning) estão cada vez mais sendo adotados por times ágeis e inovadores que querem construir funcionalidades com maior fit com seus usuários. Usar insights gerados a partir de dados, no entanto, trazem uma série de desafios para as empresas que estão acostumadas com o antigo jeito de se tormar decisões, o HIPPO (Highest Paid Person Opinion – opinião de quem ganha mais), e para ajudar nessa transição cultural entra em cena um novo profissional, o Data Coach.
Comece pequeno, mas não deixe para amanhã. De ferramentas simples como Regressão Linear e Redes Neurais às mais complexas como Deep Learning, plataformas em nuvem como IBM, Microsoft e Google já oferecem a baixo custo o poder computacional e algoritmos prontos em seus datacenters para auxiliar sua empresa a lidar com seus próprios dados.
A mais recente novidade agora são termos máquinas como colegas de trabalho.
Na segunda parte deste artigo, vamos falar da segunda categoria de empresas na curva de difusão da inovação, os Early Adopters, clique aqui para ler.
Até logo!
Quer um material de referência para Transformações Ágeis em empresas? Conheça meu livro sobre o assunto clicando no banner abaixo.
Olá, tudo bem?
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